O Cristão, Os Não Cristãos e a Páscoa


Introdução
O texto base utilizado para iniciar esta discussão encontra-se no Evangelho segundo Mateus capitulo 16 versículos 13 ao 17, que diz[1]:
13 Indo Jesus para os lados de Cesareia de Filipe, perguntou a seus discípulos: Quem diz o povo ser o Filho do Homem? 14 E eles responderam: Uns dizem: João Batista; outros: Elias; e outros: Jeremias ou algum dos profetas. 15 Mas vós, continuou ele, quem dizeis que eu sou? 16 Respondendo Simão Pedro, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo. 17 Então, Jesus lhe afirmou: Bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que estás nos céus.
O texto relata duas perguntas que foram feitas por Jesus para seus discípulos. A primeira pergunta visa saber como as pessoas, fora do círculo dos apóstolos viam Jesus e outra quem os discípulos julgavam seu mestre ser.
Após as respostas, Jesus deixa claro que a resposta utilizada por Pedro não provinha de seus próprios conhecimentos e méritos, mas que ele respondera a pergunta graças ao conhecimento que havia revelado por Deus.
E hoje, se fizéssemos a primeira pergunta entre nós, quais respostas obteríamos? Talvez: um revolucionário; um cara legal; um conceito de boa pessoa; Ou até mesmo ouviríamos: uma fraude, uma mentira; um personagem criado para manipular pessoas.
Sabemos que a segunda pergunta é mais importante que a primeira para nós, pois esta revela quem Cristo representa para nós. Neste artigo não quero ater-me muito na resposta da segunda pergunta, mas a da primeira. As pessoas pensarem algo que julgamos errado a respeito de Jesus deve afetar-nos até que ponto?
O Problema
Como reformados, cremos que o ser humano não é livre para escolher[2] servir a Cristo. Dado o exemplo do artigo, mesmo que uma pessoa possa conhecer a história da Páscoa e suas características, sem um mover de Deus em seu interior, esse conhecimento não passará de conhecimentos humanos e continuará sem entender suas implicações espirituais. Esse conhecimento possui quem é chamado de filho[3].
Segundo [4], é pelo agir de Deus em nossas vidas que somos regenerados e que passamos a entender o sacrifício que Jesus realizou na cruz. Não é por conhecimento humano, mas pelo agir de Deus.
No livro O Discípulo Radical, John Stott cita o seguinte texto de William Temple [5]:
Não adianta me dar uma peça como Hamlet ou Rei Lear e me dizer para escrever algo assim. Shakespeare podia fazer isso, eu não posso. E não adianta mostrar uma vida como a de Jesus e me dizer para viver como ele. Jesus era capaz, eu não. Porém, se o gênio de Shakespeare pudesse vir morar em mim, então eu poderia escrever peças como as dele. E se o Espírito de Jesus pudesse vir morar em mim, então eu viveria uma vida como a dele.
Como foi com Pedro, temos que lembrar que é assim conosco, não há mérito nosso, mas apenas da Graça de Deus.
A Missão Dada Por Jesus
Portanto, tendo em vista o que foi discorrido até aqui, não devemos pensar que devemos ficar de braços cruzados e esperar que Deus alcance as pessoas. Como seus servos, devemos atender a sua ordenança de fazer discípulos e ensinar suas palavras[6]. Sempre tendo em vista isso, que nossa missão é ensinar, não converter, essa é uma responsabilidade do Espírito Santo.
Falar do Evangelho não é falar de Moralismo
Há pouco tempo surgiu, como tantas outras, uma nova brincadeira no Facebook, onde pessoas desafiavam umas as outras a beberem uma certa quantidade de cerveja Quem cumprisse o desafio poderia desafiar outras pessoas.
Não demorou muito para que essa brincadeira entrasse nos círculos evangélicos.
Na versão evangélica do desafio, ao invés de beberem, liam trechos da Bíblia e teciam breves comentários sobre o texto lido. Mas o mais curioso, o que chamou a atenção, era que no corpo na mensagem continha o texto "#naomeenvergonhodoevangelho" [7], pois os vídeos dificilmente falavam do Evangelho. Dos vídeos que recebi, pude perceber que polarizavam para dois extremos: um onde é mencionado um Deus, que parecia mais um simples servo, que deveria atender todos os nossos desejos; Outro onde era apresentado um Deus, com atitudes tiranas, que o simples tropeçar ele estaria pronto a nos fulminar da face da terra.
Essa nova moda no Facebook mostra-nos quanto muitas vezes estamos despreparados para pregar o Evangelho. Se é que ao menos, entendemos o que é, de fato, o Evangelho.
Opinião de Outros Autores
Em [8], Martyn Lloyd-Jones diz o seguinte:
É por isso que não me canso de dizer que o dever da Igreja Cristã não consiste meramente em dar conselho aos estadistas e a outros, e em dizer-lhes como solucionar os seus problemas; pois não poderá haver paz entre os homens enquanto os homens não se tornarem cristãos. É impossível. Por isso, o evangelho é necessário, por isso, Cristo veio. Não se pode aplicar a não cristãos um ensino destinado aos cristãos. Fazê-lo é uma tremenda heresia.
Seguindo essa linha de raciocínio, não faz sentido esperar que os não cristãos entendam como devem agir perante nossas datas importantes. Nosso objetivo é falar da obra de Cristo como um todo, falar do Evangelho, das boas novas que Cristo veio trazer. Neste sentido Lloyd-Jones escreve em [9]:
Se os cristãos querem ajudar o Estado, a melhor maneira é pela pregação de um evangelho que produza tantos cristãos que o Estado terá de dar atenção ao que nós dizemos. No entanto, enquanto se pregar nada mais que moralidade, não somente o Estado não nos dará ouvidos, mas também não se produzirão cristãos.
Conclusão
Nosso dever, como despenseiros da Graça, é apresentar as pessoas o Evangelho em sua totalidade e orar para que Deus possa iluminar as pessoas com as quais lidamos para que possam receber um conhecimento que não podemos fornecer.
O nosso conhecimento a respeito de Jesus é de suma importância para nossa vida espiritual e também influencia a maneira como iremos apresentá-lo as outras pessoas. Se não entendermos de fato o que Cristo representa para nós cristãos, facilmente cairemos no perigo de utilizarmos de pregações moralistas e que não produzem frutos de arrependimento.
Voltando a pergunta inicial, provavelmente, e por vezes, iremos nos entristecer porque as pessoas não entendem o verdadeiro significado da Páscoa. Paulo também entristeceu-se pela incredulidade de alguns [10], porém temos que lembrar que nossa luta não é contra carne e sangue [11] e portanto não devemos fazer disso uma luta ideológica.
Notas
[1] Versão João Ferreira de Almeida, Revisada e Ampliada.
[2] Exponho aqui os reformados, porém os arminianos clássicos também não acreditam que o ser humano é livre totalmente para escolher a Cristo e dizer não para o pecado. A doutrina Arminiana possui o conceito de Graça Preveniente, que pode auxiliar o ser humano nesta escolha, que pode ser negativa. O Arminianismo não deve ser confundido com Pelagianismo e Semipelagianismo.
[3] Ver Gálatas 4:6,7.
[4] Ver Romanos 8:29,30.
[5] John Stott, O Discípulo Radical, p.31.
[6] Ver Mateus 28:19,20.
[7] Para quem não está acostumado com a forma do texto: essa forma de escrita é identificada como hashtag, uma forma de facilitar indexação do conteúdo. E no caso citado, ele indexa o texto "Não Me Envergonho do Evangelho".
[8] Martyn Lloyd-Jones, Reconciliação: o método de Deus, p. 229.
[9] Martyn Lloyd-Jones, As trevas e a luz, p. 288-289.
[10] Ver Romanos 9.
[11] Ver Efésios 6:12